quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Turner I



E para terminar por hoje, um texto do Nuno Crato, publicado no Expresso em 2003, a propósito de uma exposição de Turner na Fundação Gulbenkian a decorrer na altura, aborda a ligação de Turner a Goethe, o Homem que tentou a todo custo contradizer a "Nova Teoria das Cores de Newton". «Não tenho orgulho no que fiz como poeta», escreveu Goethe, «mas sou o único neste século que conhece a verdade na difícil ciência das cores». Se tiverem paciência...

"Tratando-se de um pintor romântico, poderia parecer que nada estava mais afastado das suas preocupações do que a ciência e o raciocínio sistemático. Mas isso seria ignorar a atracção pela modernidade que a ciência imprimiu nos artistas britânicos dos séculos XVIII e XIX. Nas suas aulas na Academia, Turner ensinava geometria euclidiana e discutia a perspectiva linear.
Debatia as teorias da cor de Newton e as propriedades magnetizadoras da luz. O seu interesse pela ciência não se limitava à pintura. Conviveu com o cientista David Brewster e com a astrónoma Somerville (Mary Fairfax). Interessou-se pelas teorias cosmológicas de Ptolomeu e de Copérnico.
O contacto com Mary Somerville foi particularmente importante para Turner. Esta cientista, autora de um tratado sobre astronomia (Mechanisms of the Heaven, Londres, 1831), estudava o espectro solar e facilitou ao pintor o acesso a informação científica sobre os astros e sobre as teorias cosmológicas do passado. Nas vinhetas com que ilustrou uma edição das obras completas de John Milton (1608-1674), Turner desenhou meteoros e esferas celestes cristalinas imaginadas pelos seguidores de Ptolomeu. Mas o mais importante para o pintor foi o estudo da luz solar, tema em que Somerville era especialista.
Na altura, discutia-se ainda muito a teoria da cor de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1842), o poeta e romancista alemão que se interessava pelo estudo da natureza, nomeadamente pela botânica, e que tinha escrito longamente sobre a cor. Goethe tinha lido páginas sobre óptica de Isaac Newton (1642-1727) e não as aceitara. Tinha começado por repetir a célebre experiência de decomposição da luz branca através de um prisma e não tinha obtido os resultados descritos por Newton.
Goethe olhara para uma parede branca através de um prisma e não vira as cores do arco-íris, mas apenas a luz branca da parede. Esquecera-se de que Newton tinha feito a sua experiência com um raio de luz estreito e tinha projectado a luz decomposta na parede. Os amigos pressaram-se a explicar o seu erro: olhando para a parede branca através do prisma, as diversas cores decompostas provêm de áreas várias da parede e sobrepõem-se, de forma que se vê de novo a sua soma, ou seja, a luz branca. No entanto, Goethe não ficou convencido e procedeu a outras experiências que, julgava, confirmavam o erro de Newton. Olhou através do prisma para um papel metade branco e metade negro e apenas viu uma coloração na zona de limite entre o branco e o negro. Deduziu que a cor era provocada pela transição da luminosidade para a escuridão, afinal segundo a velha e ultrapassada teoria de Anaxímenes e Aristóteles. Não percebeu que as cores supostamente em falta correspondiam à zona negra do papel.Esta e outras experiências que Goethe levou a cabo com obstinação e sem ouvir os conselhos dos cientistas levaram-no a conceber uma nova teoria da cor. Newton era apenas um charlatão e ele, Goethe, iria revolucionar a física. «Não tenho orgulho no que fiz como poeta», escreveu, «mas sou o único neste século que conhece a verdade na difícil ciência das cores». A história haveria de o apreciar de forma precisamente inversa.
Em 1791 e 1792, Goethe publicou dois panfletos com o título Contribuições à Óptica (Beiträge zur Optik) e em 1810 um volumoso trabalho de mais de 900 páginas que intitulou Teoria da Cor
(Farbenlehre). Este último teve bastante sucesso e continuou a ser vendido durante muito tempo. Ainda hoje se pode encontrar em edições modernas, tanto em língua alemã (Westerweide) como inglesa (MIT Press). Nessas obras, «tentou regressar a uma ciência descritiva», como dizia Heisenberg (Werner Heisenberg, Gradiva, 1990), opondo-se «à separação dos fenómenos nos seus aspectos objectivo e subjectivo»"

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